Afinal, para que serve Deus?


Antes de qualquer coisa devemos olhar criticamente para essa pergunta. Primeiramente para o sentido do termo “Deus”, em segundo lugar ao sentido do termo “serve”, em terceiro lugar a quem é o sujeito oculto que seria o ser servido, e finalmente em quarto lugar perceber que a pergunta já pressupõe que Deus serve para algo e/ou alguém, mas será mesmo que devemos considerar isso a priori? Ainda, ao realizar a leitura dos termos da pergunta, devemos fazê-lo de modo a ir conectando seus termos componentes.

Já de início afirmamos que estamos considerando como Deus, Jeová, o que é trazido na Bíblia no Antigo e Novo Testamentos, interpretada pela teologia clássica, reformada, ortodoxa, pelo método histórico gramatical e com todos os seus pressupostos já considerados válidos. Sabendo também que os outros métodos sejam eles quais forem, também trazem consigo seus pressupostos, a diferença é que estes geralmente são velados de início e mostrados somente como conclusão, como o pressuposto materialista que é comum à maioria das outras visões que não a ortodoxa clássica.

Assim, devemos olhar para quem Deus é. Para como Ele se apresenta para nós humanos. Foquemos nossos olhares em duas características de Deus em relação a sua criação: Ele é transcendente e imanente. De modo simples, a primeira característica refere-se a Sua distância, indiferença, a total falta de necessidade de se relacionar com a sua criação, no nosso caso, especificamente os homens, pois a Divindade é plenamente satisfeita consigo mesma enquanto Trindade. A segunda refere-se a sua livre e espontânea vontade, não necessitada, de se relacionar com o ser humano, que possui características bem diferentes das Suas. O homem é finito, sujeito a falha, existe no tempo e espaço, e é com esse ser humano que Deus se relaciona. Logo, se Deus quer dialogar conosco, Ele utiliza uma linguagem que possa tornar essa comunicação possível, para que também respondamos e participemos do diálogo. Ele se nos mostra tanto imanente quanto transcendente, tornado possível que saibamos um pouco sobre Ele, e possamos então conversar a respeito nesse momento.

Quanto à palavra “serve”, ela nos remete a alguns sentidos. Uns devem ser descartados e outros aceitos ao considerarmos quem é o Deus da pergunta. “Serve” nos lembra de utilidade, serventia, e é isso o que justifica a existência de algo. Alguma coisa que serve para um determinado fim tem sua existência explicada por sua serventia. Sua utilidade necessária inclusive, existe antes da existência da coisa que é útil. Por exemplo: Um copo serve para armazenar líquido, mas a necessidade do armazenamento é anterior à existência do copo, e ela mesma explica sua criação. Nesse sentido não podemos dizer que Deus “serve”, pois sua existência não é dependente de servir a algo ou alguém, nem vem após uma necessidade anterior, visto que Ele é antes de tudo, criador, infinito, atemporal.

O terceiro ponto seria o sujeito oculto a quem Deus serviria. Seja esse ser servido por Deus, um ente pessoal ou não, humano ou não, ele é uma impossibilidade visto que este teria de existir antes mesmo de Deus, o que é impossível de acordo com o atributo divino da infinitude, da atemporalidade. Esse ser servido por Deus e que é uma impossibilidade deveria existir antes Dele, pois, pensemos e gravemos essa assertiva lógica: se algo começa a existir, esse algo tem uma explicação anterior, que justifica sua existência, sua finalidade ou serventia. Na verdade, se nós existimos após Deus, somos nós que devemos ter uma serventia, no livro do profeta Isaias Deus diz: “para minha glória os criei e os fiz”. Mas apesar de Deus não ter esse tipo de serventia que alguns esperam, Ele é na verdade necessário à existência, para que esta faça sentido. Paremos e pensemos nisso novamente: se nós começamos a existir, houve tempo em que nós humanos não existíamos, logo é possível um mundo, uma realidade que não precisa de nós, pois assim já foi um dia. Também se nós começamos a existir, é preciso que algo anterior cause nosso vir a existir. Nesse ponto nos deparamos com duas situações: Se o que existia antes de nós e causou propositalmente ou aleatoriamente nossa existência é algo finito, que um dia começou a existir, também este não tem existência necessária, a não ser para nós humanos, visto que também já não existiu antes, assim como nós. Se assim continuarmos retrocedendo não sairemos dessa situação. Logo, para a existência ser possível e fazer sentido, é necessário algo que exista sem nunca ter começado a existir, algo que não tem utilidade para outro anterior, que não sirva a outro, ou melhor, que não tenha em outro sua causa, algo independente, que sempre foi, que é. Esse algo é Deus, Aquele que torna possível toda a existência, a qual precisa Dele, mas Ele não necessita dela. Apesar desse caminho óbvio, há aqueles que creem ser a matéria, o universo tal ente, no caso impessoal. Se essa o for, deve ter os atributos que a Bíblia coloca em Jeová, ser infinita, independente, necessária, criadora etc. Existe ainda quem creia na deusa matéria como sendo uma criadora sega e irracional, que parte da aleatoriedade para depois alcançar o que faz sentido, ou que somente parece fazer aos nossos olhos, o que “pode ser provado jogando ximbras em malhas”. Porém, diante do necessário e lógico ajuste fino do universo, especialmente para as coisas úteis para o ser humano, a coroa da criação poder viver, essa opção não parece ser adequada de se seguir, devendo ser fatiada por uma navalha sincera. Chegamos à conclusão que não existe sujeito oculto a quem Deus tenha de servir, nem homem, nem coisa.

Finalmente, em quarto e último lugar, percebemos que a consideração a priori da pergunta, a de que “Deus serve”, não pode ser considerada necessariamente verdadeira. Mas calma, diante das coisas pensadas até aqui, provocadas pela nossa grande pergunta, lembrando de alguns atributos de Deus e de como Ele se relaciona com os seres humanos, podemos responder melhor assim: Deus não precisa, nem tem o dever de servir as pessoas, Ele mesmo merece ser servido, pois é causa criadora nossa e nós Nele enxergamos nossa finalidade, nossa utilidade. Todavia, Ele pode servir-nos e assim o faz de acordo com as suas próprias condições, os seus termos: “Esta é a confiança que temos ao nos aproximarmos de Deus: se pedirmos alguma coisa de acordo com a vontade de Deus, Ele nos ouvirá” (1 Jo 5:14). Deus nos serve não como um servo, mas soberanamente, como um senhor, um pai que cuida de seus filhos.

Diante disso, nossa postura não deve ser autoritativa, irreverente e orgulhosa, mas humilde e reverente, procurando diligentemente descobrir, não a nossa, mas qual a vontade do Pai, que é boa, perfeita e agradável, a saber “a nossa santificação; obediência; aspersão do sangue de Cristo; a perfeita comunhão com Ele; a participação da natureza divina; a participação prioritária no Reino de Deus e mais coisa dessa natureza” (1 Co 1:2; 1 Pe 1:2; 2 Pe 1:4; Mt 6: 33; 1 Ts 4:13; Hb 2:11; 13:12; ...) e assim pedirmos com a verdadeira confiança e fé no Pai, assim como Ele se agrada, como está escrito: “peça-a, porém, com fé, sem duvidar” (Tg 1:6) e “sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam” (Hb 11: 6).

Sobre o Autor:
Um cristão de teologia reformada, integrante do Os Hereges Cast. Esposo e pai. Formado em História e professor de História e Filosofia do Ensino Médio em Paulo Afonso – Bahia.

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